Como
prometido, hoje vou publicar outro post que li na web e que acho que também tem
tudo a ver com o blog. É um artigo escrito pelo Cezar Tridapalli, que é coordenador
de Midia/educação no Colégio Medianeira, em Curitiba, e escritor, autor do
romance Pequena Biografia de Desejos.
Eu
sou pai de uma menina. Ela ainda é bebê.
Era
uma vez uma festa entre amigos. Naquela confluência de vozes, conversas com
início e sem fim, brincadeiras de toda ordem, tentativas de engatar papos sérios,
você conversa com um ouvindo a conversa do outro, eis que vem um amigo, pai de
menino, com o seu bebê no colo e diz para ele, referindo-se a mim: “filho, o
nome desse tio é sogro”. Eu ri, evidentemente, e não vi qualquer mau
gosto no tipo de insinuação brincante que havia no modo como ele me apresentava
ao filho menino.
Mas
há casos diferentes. Outra vez, já outra era a ocasião, minha filha zanzava em
uma sala com outros bebês, meninos e meninas. Um dos meninos, talvez sem ter
feito dois anos, se aproximou dela e, incentivado pelos pais, abraçou a minha
pequena. Tudo muito cuti-cuti, é claro, mas o discurso vindo dos adultos me
deixou com uma pulga atrás de cada orelha. Veja se exagero ou se há alguma
razão no que digo: o que vi junto com a tentativa de abraço foi o pai do menino
insinuando — insinuando nada, falando às claras — que seu filho já demonstrava
todos os indícios de que seria pegador (uma criança de dois anos abraçando um
bebê de um ano e meio, alguma novidade?) e que era melhor eu começar a proteger
a minha “princesinha”.
Já
noutra oportunidade, quando me levantei de uma cadeira para assistir a alguma
cena de abraço e beijo similar (todos estavam olhando, ficaria até chato se eu
me mostrasse indiferente), vi um coro de vozes se dirigindo a mim: “ah, olha o
pai ciumento já querendo proteger a filha” e outras vozes esparsas sugerindo
que ela teria muitas dificuldades e que eu não mediria esforços para
salvaguardá-la das garras dos lobos maus.
Talvez
seja divertido pensar em um pai com espingarda em punho obrigando um sujeito a
casar com sua filha. Mas isso lá no casamento caipira das festas juninas.
Vou
confessar uma coisa da qual me envergonho: critico algumas posturas exageradas,
mas sou admirador das lutas feministas. Porém, aí vem o motivo da minha
vergonha, eu não reparava tanto assim no quanto elas ainda são vistas como
seres-objeto sem vontade, sem pensamento próprio. Parece mesmo que não há um
sujeito consciente nesse ser de carnes e ossos, e cérebro. E estou falando para
além do clichê mulher-garota-propaganda-de-cerveja.
Estou
falando de bebês com um ano e meio, dos quais os meninos já parecem prontos
para anunciar seu futuro predador quando, na verdade, estão demonstrando um
afeto comum em qualquer bebê, às vezes genuíno, às vezes automático, seguindo a
cartilha e o comando de voz dos adultos. E às meninas, as tais “princesinhas”
(tenho uma cisma muito grande com essa expressão, mas isso é tema para outro
post), fica reservado o posto de passivas e indefesas, que dependem de uma
figura paterna e, portanto, masculina, para, tal qual a figura do lenhador
viril, caçar lobos e restaurar a paz.
Se
nenhum adulto falará tão bem uma língua como fala a sua língua materna, talvez
haja uma relação entre os valores que aprende já na chamada tenra idade (pura
e mera e deslavada especulação minha, ok?). Se bebês já crescem ouvindo que
seus papéis biológicos e sociais são pré-definidos e já estão formatados,
qualquer outra postura e comportamento na vida adulta só será capaz de ser
assumida com muita dor e causando muito choque moralista. Talvez outro clichê,
aquele que sempre termina dizendo “vem do berço”, seja bastante aplicável aqui.
Crianças
de todo o mundo, uni-vos, abraçai-vos, beijai-vos, transmiti vossos vírus de
gripe e vossos piolhos umas às outras, mas não vos deixeis cair na tentação de
transmitir o vírus dos estereótipos, dos mitos de fragilidade sem cérebro e da
brutalidade viril — e também sem cérebro —, incapazes de se abrirem para a
ternura e para o discernimento entre o comportamento humano, social e natural,
e o comportamento bestializado dos preconceitos, estes também humanos, mas nem
um pouco naturais.
Aquele
abraço.
Dia 31/5, sábado, a partir das 16h, convido para o lançamento do meu próximo romance, "O beijo de Schiller", que venceu o Prêmio Minas Gerais de Literatura. Será na Livraria Arte & Letra:
ResponderExcluirAl. Presidente Taunay, 130 – Fundos da Casa de Pedra – Batel – Curitiba.
Telefone 41 3039.6895
Obrigado.
Cezar Tridapalli